"Alice" Museu D. Diogo de Sousa, Braga


Alice
Projecto – Exposição comissariada
Velha – a – Branca
Museu D.Diogo de Sousa – Extensão
Inauguração 6 de Setembro de 2008 16h D.Diogo 17h Velha-a-Branca
Até 31 de Outubro 2008


Artistas convidado: Ana Efe, Fábio Silva, Helena Carneiro, Hugo Paquete, Johan Viviers, João Concha, João Foldenfjord, Lúcia David, Márcia Luças, Miguel Meira, Nadja Broadbent, Pedro David, Pedro Guimarães, Raphael Pepper, Ricardo Fiúza, Teresa Gil e Teresa Luzio.
Comissária – Maria Luísa Santos Costa

Alice in Wonderland

Na tarde de 4 de Julho de 1862, Charles Lutwidge Dodgson (1832-98), professor de Matemática no colégio de Christ's Church, Oxford, começou a contar aos filhos do Vigário Liddell a história que se tornou conhecida como Alice no país das Maravilhas.
Segundo os registos meteorológicos da época a tarde dourada que ficou para a história foi um ‘dia fresco e bastante húmido’ e o conto que surgiu nas margens do Tamisa dando identidade a um até aí desconhecido Lewis Carroll, revelou-se, ao longo da sua narrativa, pródigo em inversões, projecções, sobressaltos e sonhos.
Lewis Carroll parece ter encontrado assim o meio ideal para transcender a secura e monotonia que a sua posição clerical e educacional exigiam e um meio de explorar o absurdo, porque o absurdo oferecia uma forma alternativa de ver as coisas.
O autor de A Syllabus of Plain Algebraical (1860), Condensation of Determinants (1866) e de Euclid and his Modern Rivals (1879), em virtude do deleitar-se na ordem e padrões matemáticos e de uma dificuldade em aceitar os estreitos preceitos sociais e religiosos interiorizados, consegue através do uso de paradoxos, e inversões e neologismos, criar uma particular lógica libertadora transportada para a fantasia das crianças que protagoniza este conto infantil.
Na narrativa de Carroll o paradoxo encontra resolução assim que se chega a uma ideia de uma ordem definitiva e alternativa na qual as descobertas da ciência, filosofia e religião não se encontram em conflito.
Lewis Carroll retira alegria da disjunção, distorção e deslocamento porque são imagens espelho da unidade, ordem e estabilidade.
Estes mesmos mecanismos vêem a ser identificados uns anos mais tarde por Sigmund Freud (1856-1939)) como os do Labor do Sonho que assim permitem a emergência do conteúdo de um conflito entre o inconsciente e o consciente que se manifesta na linguagem dos sonhos, em Die Traumdeutung na primeira edição de 1899 pela Franz Deuticke de Leipzig e Viena.
É também com a literatura infantil de Carroll, que a criança aparece como um ser capaz de entendimento, com uma inteligência, psiquismo e cognição próprios e peculiares em vez de meros projectos de adulto que só com a maturidade atingiriam o entendimento compostura e inerente desencanto pela vida.

“Quem é Alice?”
Alice é uma criança curiosa em crescimento que insiste na certeza dos valores da sociedade da classe média, e a sua teimosia e autoconfiança dão-lhe uma clareza mental que lhe permite contrariar os jogos, fórmulas e silogismos distorcidos com que é confrontada no percurso do seu desenvolvimento.
Neste percurso vai sofrendo também alterações físicas e psíquicas que resultam na interrogação e inquietude sobre a percepção da sua identidade.
Estes estados por que vai passando decorrem alguns deles das mudanças de estatura que ocorrem quando come ou bebe. No Capítulo1, quando bebe o cordial e come o bolo; quando perde cada vez mais noção de si mesma, ao ponto de no início do Capítulo 2, chegar a dizer, "Será que terei mudado durante a noite? Deixem-me pensar: era eu a mesma quando me levantei de manhã? Quase que penso que me lembro de me sentir um pouco diferente. Mas se não sou a mesma, a pergunta que se segue é: Quem diabos sou eu?" e começa a chorar e a abanar-se com o leque do coelho, o que a faz encolher até quase desaparecer. Depois bebe, cai num lago formado pelas próprias lágrimas, onde quase se afoga. No encontro com a lagarta no Capítulo 5, Alice responde à questão “Quem és tu”? com a resposta: "Eu, eu agora neste momento nem sei.Sei pelo menos quem eu era quando me levantei de manhã, mas acho que devo ter mudado várias vezes desde essa altura."
Alice cresce e “simultaneamente”, diminui: enquanto de um ponto de vista fixo, ontológico, (da subjectividade do eu), “há” uma só Alice de um determinado tamanho x, no fluir temporal tornar-se Alice ocupa um numero infinito de pontos, anteriores, posteriores, intermédios, e à medida que cresce, num ponto posterior deve correspondentemente ter encolhido num ponto anterior, e inversamente e isso percebido como uma única vivência.
À luz da Logique du sens, (1969) o conceito de Deleuze de diferença interna é de facto contraditório do ponto de vista da lógica clássica, em que uma coisa ou é verdadeira ou falsa. Em vez disso, a verdade da diferença interna jaz não no plano do verdadeiro e do falso, “numa relação de exclusão” abstracta, de “ou/ou” mas antes no do sentido e absurdo, de “e/e,” numa relação não de exclusão mas de compossibilidade.

Esta compossibilidade inclui a dos paradoxos do monismo dialéctico da física quântica moderna, de uma partícula, (paradigma do descontínuo) dever ser também sempre – segundo Louis de Broglie – uma onda (paradigma do contínuo) e inversamente por ”descoberta” de Einstein – a excelência da representação do conceito de onda, a luz, dever ser também uma partícula. (Fotão)
Inclui também a ocorrência quântica de, em potência, um sistema físico poder “coexistir” em mais do que um estado diferente no mesmo instante (cf. “O Gato de Schroedinger”)

Alice no País das Maravilhas, que para muitos é um livro para crianças, que descreve uma terra de sonhos cheia de adivinhas, contos de fadas e jogos sem regras é um dos livros mais analisados de todos os tempos. Foi considerada uma obra pioneira do surrealismo, da literatura infantil, uma obra de filosofia, uma crítica à Igreja Anglicana, prenhe de simbolismo psicológico, e até uma expressão da cultura do uso de drogas dos anos 60.
Fonte de inspiração para críticos literários, linguistas, psicólogos, psicanalistas, sociólogos, filósofos, matemáticos, físicos e artistas, Alice no País das Maravilhas continua a alimentar e a reflectir aqueles que sobre ele se debruçam.
Com este texto levantamos uma ponta do véu das possiveis leituras que Alice in Wonderland permitem e convidamos os artistas que participam neste projecto a interpretar Alice in Wonderland e as possibilidades que este novo tempo – espaço de significação e percepção oferecem.

Maria Luisa Santos Costa